A gente não imagina ser capaz de sentir tanta dor até sentir. Até ser duramente ferido. Até machucar o jeito desprevenido de estar no mundo. Os passos de algodão. O olhar inocente. O sorriso espontâneo. O sonho mais bonito. A gente não imagina até se tornar especialista em congelar sentimentos por medo de doer mais. Até conhecer a desconfiança. Até desconhecer o próprio idioma. Até aprender, por defesa, a esconder um pouco da própria dor na prateleira mais alta, lá onde a consciência não consegue alcançar.
A gente não imagina ser capaz de sentir tanta dor até temporariamente desaprender belezas. Como cantarolar pelas ruas, distraído. Encantar-se, de repente, com a Lua toda cheia. Ter ouvido bom para encontrar passarinho. Nutrir olhos que garimpam estrelas. A gente não imagina até se desacostumar com a alegria. Até se desentender com a própria fé. Até perder de vista a poesia. Até deixar de andar de mãos dadas com a vida.
A gente não imagina ser capaz de sentir tanta dor até sentir por períodos longos. Tão extensos, que bate a ideia de que é para sempre. Ouça bem: não é não.
Ana Jácomo
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