sábado, 12 de janeiro de 2019

TEXTO SOBRE NATAL DE NATÁLIA SOUSA

( é Natal. e este é o texto mais bonito que você vai ler hoje)
"Natal em casa sempre foi uma data feliz. Lembro da minha mãe orquestrando da cozinha o funcionamento da casa.
- Naty, coloca os pratos. Rapha, dobra os guardanapos. Paty, ajeita aquele enfeite que tá caindo...eu to terminando aqui e é o tempo do pai de vocês comprar os últimos refrigerantes.
Ela dava as orientações, enquanto mexia uma das panelas borbulhantes, despejava a calda do pudim na bandeja e espetava cravos no tender. Os aromas se fundiam com uma playlist diversa que começava tocar de manhã e só desligava na hora de dormir, depois da meia noite. Em cima dos móveis da casa, Papais Noéis, árvores de natal, bolas de pano coloridas e um pisca pisca que tinha quase a mesma idade que eu. Por volta das seis começavam chegar os convidados. Lembro de um Natal que minha mãe decidiu que queria passar com a família inteira (leia-se inteira mesmo) e minha casa virou um campo minado de colchões de tios e tias, primas e primos, cunhados e agregados (daqueles que a gente não sabe ainda se é ficante ou amigo). No dia seguinte, no menor descuido, a gente esmagava um dedo.
Foi um dos mais divertidos das nossas vidas.
Minha mãe amava Natal. E porque ela amava, todo mundo era contagiado e amava também.
Lembro do primeiro sem ela. Quando chegou dezembro meu peito virou um nó cego. Medo, apreensão, tristeza. Como seria? Em casa, adiávamos o assunto. Doía demais pensar. Lembro, então, que no dia 24 sentamos na mesa da sala - sem enfeites, sem luzes, com pantufas - e pratos de macarrrão. Às oito da noite abrimos um vinho, assistimos um filme e quando o relógio bateu meia noite a gente já dormia. Tempos depois, conversando com meu pai sobre aquela época, ele comentou que naquele ano não havíamos celebrado o Natal. Fiquei em dúvida. E puxei na memória aquele dia. A cerimônia sem luzes que piscavam, sem cores, sem minha mãe na cozinha, sem a playlist dando som aos aromas e concordei. A gente não celebrou o Natal. Não daquele jeito. Porque naquele ano, a gente inaugurou um novo Natal dentro do Natal.
Um novo nascimento.
Lembrei da gente sentado, comendo macarrão, conversando, contando histórias e no primeiro riso, meu peito se esparramou subitamente aliviado pela certeza de que independentemente do que pudesse ter acontecido ou que ainda aconteceria, naquele momento, o Natal temido se transformava num lembrete de vida. Natal era a gente junto. Era a gente se levantando depois da rasteira. Era a gente vivendo a data do jeito que a gente podia. Era a gente dando espaço para nossas dores arejarem, sem nos deixar cristalizar por elas. Era a gente fazendo um Natal realista: sem luzes, sem grande ceia, sem presente, com pijama, macarrão, vinho e, no fim, uma oração agradecendo a vida, mesmo depois de ter perdido parte dela.
Mesmo estando muito perdidos.
Natal, a gente tateava, era esquecer o que a gente queria que fosse, para agradecer o que ainda era. E era muito.
Hoje, há poucas horas do Natal, penso nisso de novo. Natal é uma data difícil para muita gente. Porque Natal (para além de significar o nascimento de Cristo para os Cristãos, como é para mim) sempre foi a vó, o avô, o pai ou de repente a esposa, que não está mais aqui. No meu caso, era minha mãe. Mas talvez a gente possa pegar carona nesse significado mais amplo e nos dar de presente uma outra ideia de Natal, mais realista, o nascimento de algo mais leve. Um Natal que respeite as nossas dores, que trate com carinho nossas cicatrizes, que não aperte mais o nosso calo, que não sufoque mais a nossa história, que não exija uma explosão de felicidade, que a gente não sabe, ao certo, como senti-la. Alívio, talvez, seja o suficiente. Talvez a gente possa celebrar a celebração que a gente consegue fazer, com os significados que fazem sentido para gente. Os meus, é celebrar a vida aqui, com quem tá aqui, do jeito que é possível tá aqui.
Não é igual, não é o mesmo, mas é feliz. Hoje em dia é feliz.
De outro jeito.
Talvez a gente possa chamar a nossa saudade à mesa, sentar com ela, preparar um tender - ou um macarrão - servi-la de gratidão e na companhia de quem ainda segura a nossa mão, inaugurar um novo Natal. Sem roteiro, sem checklist, sem família ou com família, sem roupa nova ou com roupa nova, sem presente ou com presente, com uva passa ou sem uva passa, com árvore de natal ou sem árvore de natal, com foto ou sem foto. Talvez o que nos doa tanto nessa data é a fotografia que o nosso peito segura, reclamando o passado, dizendo como deveria ser, esfregando no nosso coração esfolado o que não é mais. Talvez desconstruir uma ideia de Natal absolutamente feliz te deixe mais feliz. Talvez essa data seja, justamente, a chance que a vida dá pra gente nascer de novo, de um jeito novo, com uma celebração (ou não) que dê conta da nossa história, com todas as faltas e perdas que fazem parte dela. E, aí, talvez, a gente possa guardar a fotografia do Natal que era e colocar uma nova (ou várias) do Natal que é possível ser. E o que é possível ser, pode ser bem feliz também.
E por fim, ao menor sinal de saudade, lembre seu peito que saudade é o azar de quem teve muita sorte.
Um Natal (feliz) possível para você!"

Natália Sousa

APESAR DO NATAL TER PASSADO, ACHEI ESSE TEXTO MARAVILHOSO E VOU COLOCAR AQUI PARA TÊ- LO COMO LEMBRANÇA...

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