sexta-feira, 5 de junho de 2020

Rita Maidana

"Terra do Sempre

Naquele mundo que hoje dizem não mais existir ou ser de 'faz de conta'. Vivia a pureza de uma paz cercada de singelezas onde tudo fazia sentido.

De dia à sombra das laranjeiras, em companhia de joaninhas e colibris. Miudezas com brilho de sol e asas coloridas que pousavam sem cerimônia em qualquer plantinha que exalasse cheiro de flor.

Ao entardecer sentada à soleira da porta à espera dos vaga-lumes... Pontinhos luminosos que rodopiavam e se escondiam entre as folhas dos arbustos no quintal.

Nada era ausente de sentido...
Toda escassez era preenchida com amor e lindezas feitas de simplicidade.
Tudo era pleno de vida.

Os pés descalços, o giz de cera e tinta espelhados pelo chão... Os recortes coloridos de papel, o catavento girando no palito feito de graveto... Tudo era parte daquele universo mágico que transbordava curiosidade e imaginação, cheio de meninices e molecagens. Onde até o pé de amora (pendendo de pontinhos rosa-doce), ouvia tagarelices. Histórias improvisadas e sem um fim... Afinal era cedo para compreender que eles existem. E além do mais, tudo ali era começo. Sempre um começo de dia, de brincadeira, de chuva, brotação, invenções e sonhos. Tudo ali era colheita e aprendizado.
E eu?... Não fazia a menor ideia da importância que cada um daqueles momentos tinham.

Uma Alice sem laço de fita, sem sapatinho azul, sem coelho e com vestido de chita, rsrs... Contando confidências bobas à um grilo e uma cigarra barulhentos ou proseando baixinho com um amigo imaginário e travesso, sem casaca e sem chapéu bem mais perguntador do que eu.

E a rainha má?... Não reinou, não teve vez naquele lugar. Se um dia esteve ali não me contaram...
Nem vi.

Hoje eu sei que tudo naquele terreiro sem calçadas e cheio de passarinhos era uma terra de encantamentos, maravilhas e magia... Onde o "sempre" era a melhor parte.

Também sei que ali ensaiava a construção e o despertar de um ser humano que ainda teria muito para viver e aprender... Sei para que servem os finais de histórias, os amigos, as risadas e o valor restaurador que têm os recomeços.

Hoje num mundo onde as coisas essenciais lutam para continuar fazendo sentido, se alguém perguntar o que pra mim é viver em um 'mundo de faz de conta' talvez me retraia... Não me atreva a responder.

Mas sentirei saudades... Posso até imaginar meu coração brincando de ser leve e revivendo cada alegria e descoberta.
Vou sorrir... cantarolar e cirandar por dentro..."

(Rita Maidana)

Arte - Meruzhan Khachatryan

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