segunda-feira, 8 de maio de 2023

Guilherme Antunes


.
Há quanto tempo você não olha pro alto? Pergunto porque dia destes na estrada já no início da noite, eu, no lugar do passageiro resolvi abrir a janela e olhar para o céu. E eu o olhei como quem tem passado a vida no concreto cheio de luzes que apagam as estrelas. O olhar então se admirou. Ali estavam várias delas, junto ao cheiro de pasto no meio do nada. Me emocionei. Por diversas razões, mas tem esta que compartilho. A gente acostuma a pegar na direção da própria vida e vai adiante como se nada mais fosse importante senão a chegada. A gente liga o GPS, se assegura do tempo, da rota, dos atrasos e mira, se concentra e vai. E vai. E chega. Porque é aí onde a maioria de nós acredita que - agora sim! - vai aproveitar, seja lá como você tenha definido isto. Quando somos crianças a gente aproveita, como eu aproveitei, o vento frio com cheiro de mato, as vaquinhas na penumbra, as propagandas engraçadas, a parada pro banheiro, a música e as estrelas tantas que se revelavam. Isto porque eu decidi descolar os olhos da estrada e olhar para o lado. Isto porque eu me permiti estar no lugar do passageiro para escolher as músicas, contar as moedas pro pedágio e me perguntar o quanto estamos vivendo com a seriedade de alguém cansado que busca chegar para depois chegar novamente, e chegar, chegar, chegar. Que a gente desaprenda esta métrica tão adulta com que medimos a vida (e a nós mesmos) e se permita olhar pra qualquer direção porque em qualquer direção pode já estar o inesperado que você há tanto espera.

Guilherme Antunes

Nenhum comentário:

Postar um comentário