sábado, 22 de agosto de 2020

AS ESPIRAIS DE MINHA MÃE por Fabrício Carpinejar



Minha mãe leu o texto abaixo  - As espirais inteiras da avó - e disse, chorando, que tem tanta saudade de sua mãe que corta as cascas de laranja e as pendura junto às panelas na cozinha. 

E disse mais. Disse suspirando que o enfeite é melhor do que um retrato na parede, pois reconstitui o cheiro da pessoa. Que é uma maneira da vó continuar cozinhando com ela. Que a casca é o terço que ela fabrica artesanalmente toda a manhã para rezarem juntas. Que a mãe puxa o pai-nosso e a vó completa com a ave-maria em pensamento. Que ninguém para de conversar com os seus mortos. Que os conselhos ficam com os gestos. Que as lembranças não param de voltar com novas lições. Que o nosso destino está encharcado de nossas origens. Que as raízes estão em nossos dedos. Que as nossas origens são encharcadas de nosso destino. Que o amor, para acontecer, só precisa de uma fruta repartida uma única vez.

Nenhum comentário:

Postar um comentário