quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Lilian Vereza


Viemos de dentro. Todos fomos útero e ali, dependíamos de alguém pra nos alimentar, respirar e sobreviver. Todos nós chegamos ao lado de fora. E aqui fora, muitos se esqueceram de suas origens: Dentro. Aqui fora, o agora ficou pra depois. As urgências nos consomem e assim, somem de nós nossas raízes. Aqui fora a lei da sobrevivência amassa, castra e apressa nossas preces que, vez ou outra se lembram de aparecer nas necessidades. Aqui fora muitos se deslumbram com o ter e o poder, outros tantos nem podem ter nada. Os direitos são privados, e as oportunidades parecem que só aparecem pra uns poucos. Assim sendo, vivemos cada vez mais fora. Na corrida diária das sobrevivências nos afastamos de quem amamos e especialmente, nos afastamos e nós. A escassez do tempo nos impede de olhar pros lados. 
Assim adoecemos todos. 
Muitos sem se dar conta disso. Outros conscientes, porém quase que anestesiados, alguns lúcidos e julgados como loucos.
Paramos. Todo o mundo pediu oxigênio. Os pulmões da nossa natureza estão sem ar. E em apuros nos implorou um único movimento: voltem-se pra dentro.
Obrigados, fomos confinados à nossa própria origem, pra maioria, já esquecida. Nos vimos impedidos de estar fora. Estamos dentro de casa e já tínhamos esquecido que nossa primeira casa foi o útero. Estamos dentro, tendo a sagrada oportunidade de simplesmente olhar pra nós através dos outros. De olhar mais tempo pra quem convive comigo. De analisarmos mais o tamanho das coisas todas: das esperanças e valores, do que importa e do que pode ser mudado, de novas formas de lidar com o dia-a-dia, de novas maneiras de se abraçar sem braços dados. Temos agora a oportunidade de transformação. De agora em diante ressignificar as relações humanas, de valorizarmos as pausas e os espaços, de agradecer o teto, mesmo que o tato esteja proibido. Paramos e reparamos as novidades nas coisas velhas. Paramos e precisamos trazer pra dentro um sentido maior. Paramos para recompor nosso cenário de dentro e notar de perto como somos vulneráveis e dependentes. Um do outro. O Outro de todos.
Esteja dentro de si agora. E repare que já era hora de voltar o olhar pros sinais que o mundo dá. Voltamos pra dentro. Chance única de nos reinventar.


Lilian Vereza

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